Memórias

Diario de rodas


Sento-me. Nem posso trabalhar, por mais que eu tente. Vou orar, vamos orar. Saio às ruas, com o sol e o vento ao rosto. Um tique de mão no cabelo. Olho de relance minha perna, como quem quer ver os motivos de cara. Em volta o mundo observa. Não adianta, nem que eu me esconda, eles olharão. Meio desconfiados, eu já fui assim. Tentam ver o motivo que estou ali, se eu caí se quebrei minhas pernas, se nasci assim. Acidente, grave acidente de carro que foi. Vindo do antigo trabalho sem nem pensar. Sei La, eu mal lembro. Acordei no hospital. Mexi tudo, não mexi as pernas. Sabia que todos eram diferentes, mais a parti dali minha vida ia mudar. Mudou, conheci pessoas maravilhosas. Porém tive medo, frustrante. Desejei a morte. Piada agora. Daí, nessa rotina de tentar ser normal só vejo o que as pessoas veem. Até eu tento achar os motivos de acontecer comigo. Porém queria também saber o motivo dos olhares tão medrosos. Às vezes penso que estão a fim de me devorar. Alguns poucos. Pensam que pobre coitado é. Debilitado, não consegue viver em paz. Na ida ao médico, em salas de espera somente pessoas dessas todas. Que sentem tudo do outro lado, fora do meu interior. Tudo é meio alucinado. Mais vou seguindo, como sempre segui. Vou chorar quando tiver que chorar. Tentar não só ver os problemas porque é o que mais há no mundo. Sei que todos que vivem como eu, nesse lugar, são grandes vitoriosos. Conseguiram muito. Ela nos muda, nos faz ver o mundo diferente. Sem preconceito, só com gente, porém sem nada. Grande e poderosa, fantástica cadeira de rodas.


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